Letramentos Digitais

A partir de uma perspectiva histórico-cultural que concebe as TDIC como
artefatos culturais, percebemos que essas tecnologias, além de máquinas,
constituem instrumentos de linguagem que demandam novas práticas de
leitura e escrita (FREITAS, 2010). A ampliação dos usos das TDIC nas
diferentes esferas da sociedade contemporânea gera novas demandas em
termos de letramentos e habilidades específicas para a utilização desses
instrumentos nesse cenário emergente.


Partindo da concepção de letramento (literacy) como prática social, que
vai além da habilidade de ler e escrever, Kellner (2000) define o letramento
digital como uma das principais competências para a era digital, uma vez que
irá permitir a plena utilização das tecnologias digitais, bem como a plena
participação nas novas formas culturais em nossa sociedade. Apesar da
diversidade de definições e conceitos para o termo, que engloba desde
conhecimentos e habilidades técnicas de uso de tecnologias, como habilidade
de compreender informações em diversos meios e ainda como um modelo para
integrar vários outros letramentos (LANKSHEAR; KNOBEL, 2008), tenho baseado minha pesquisa
na definição de letramento digital de Martin (2008), que define o letramento digital como

“[…] a consciência, atitude e habilidade que os indivíduos possuem de
utilizar de forma apropriada ferramentas e dispositivos digitais para
identificar, acessar, gerenciar, integrar, avaliar, analisar e sintetizar
recursos digitais, construir novos conhecimentos, criar expressões em
mídias, e comunicar com outros, no contexto de situações específicas
de vida de forma a possibilitar ação social construtiva; e refletir sobre
esse processo” (MARTIN, 2008, p. 166/167, tradução nossa).

Segundo Martin, o letramento digital inclui não somente habilidades
técnicas de uso de interfaces digitais, mas sua aplicação de forma apropriada e
crítica, que pode ser compreendida a partir de três níveis: (1) competência
digital, que envolve o domínio de habilidades, conceitos, abordagens, atitudes, entre outros, em relação às tecnologias digitais, (2) uso digital, que abarca a
aplicação apropriada de interfaces digitais, e (3) transformação digital, voltada
para a reflexão crítica e compreensão do impacto social e transformador das
ações digitais, levando à inovação e criatividade e trazendo mudança
significativa no domínio profissional ou de conhecimento.

A sociedade contemporânea, permeada por tecnologias digitais, traz enormes desafios que
são inerentes à formação docente no que diz respeito à plena utilização dos
recursos digitais disponíveis para a comunicação, educação, trabalho e lazer.
Mais do que apenas saber utilizar essas tecnologias, faz-se necessário o
desenvolvimento de competências que nos permitam entender como, por que e
para que essas tecnologias funcionam (MARTIN, 2008).


Infelizmente, o que temos percebido em grande parte dos processos de
ensino e aprendizagem na sociedade contemporânea é o uso instrumental das
TDIC (KENSKI, 2012), nos quais as práticas docentes
em quase nada se alteram com a inserção dessas tecnologias. Isso se dá, em
grande parte, por conta do desencontro entre a formação docente, seja ela
inicial ou continuada, e as demandas da cibercultura, na qual o aumento do
acesso às tecnologias não foi acompanhado por mudanças na formação dos
professores para a utilização dessas ferramentas (KENSKI, 2013).

Freitas esclarece que há duas definições para o termo letramento digital: uma definição
restrita e outra ampla. Segundo a autora, “as definições restritas não consideram o contexto
sociocultural, histórico e político que envolve o processo de letramento digital. São definições
mais fechadas em um uso meramente instrumental” (2010, p. 337).

Segundo a autora, os processos de formação de professores não
têm demonstrado preocupação com o letramento digital dos professores na sua
perspectiva mais ampla13, limitando-se o uso das TDIC, em geral, à dimensão
meramente instrumental. A autora argumenta que a formação inicial não tem
preparado o professor para utilizar as novas tecnologias como instrumentos de
aprendizagem, ressaltando a importância do tema para a formação de
professores, de vez que apenas o acesso e o uso instrumental das tecnologias
no contexto educacional não são suficientes para integrar os recursos digitais
às práticas pedagógicas de forma efetiva e transformadora. Evidencia, assim, a
necessidade de se trabalhar o letramento digital não somente na formação
inicial do professor, mas também na formação continuada, pois muitos professores em atuação hoje não tiveram qualquer tipo de formação voltada
para o letramento digital e a utilização crítica das TDIC nos processos de
ensino-aprendizagem.

Para os autores Dudeney, Hockly & Pegrum (2016), os letramentos digitais podem ser definidos como

“habilidades individuais e sociais necessárias para interpretar, administrar, compartilhar e criar sentido eficazmente no âmbito crescente dos canais de comunicação digital “(p. 17).

No livro “Letramentos Digitais“, da Editora Parábola, os autores apresentam uma taxonomia dos letramentos digitais, organizando-os em quatro tipos de acordo com seu foco, quais sejam, (1) Linguagem; (2) Informação; (3) Conexões; (Re)desenho. Para cada um desses macroletramentos, os autores apresentam os diferentes letramentos que eles englobam, tais como, letramento impresso, letramento em SMS, letramento em hipertexto, letramento em multimídia, letramento em pesquisa, letramento em informação, letramento em jogos, letramento móvel, letramento intercultural, letramento em codificação, entre outros. Para um resumo interativo de cada um dos letramentos elencados pelos autores, acesse esse link.

Os autores ressaltam a importância do trabalho com os letramentos digitais no ensino de línguas (materna ou estrangeira), afirmando que

“[e]nquanto professores de línguas, estamos bem situados para promover os letramentos digitais em sala de aula, integrando-os com a linguagem tradicional e o ensino do letramento de que precisarão como membros de redes sociais crescentemente digitalizadas, como trabalhadores do século XXI e como cidadãos de um mundo que faz frente aos desafios ambientais e humanos em escala global . Nesse processo, podemos enriquecer nossas aulas, ampliar nossos espaços de ensino e assegurar nossa formação contínua (p. 60).

Para auxiliar os professores nesta empreitada, os autores dedicam um capítulo do livro para o compartilhamento de 50 atividades voltadas para o desenvolvimento de diferentes letramentos digitais, com sugestões de adaptaçãoes para cada contexto de sala de aula (alta tecnologia, baixa tecnologia ou zero tecnologia).

Os autores também reforçam a importância da formação (inical e continuada) de professores de línguas nos letramentos digitais para que possam implementá-los em suas aulas, incorporando diferentes atividades que visam desenvolver os diferentes letramentos ao currículo e também a importância do desenvolvimento profissional docente contínuo por meio da pesquisa-ação e do compartilhamento com colegas a partir da construção de redes pessoais de aprendizagem.

Para saber mais, não deixe de ler o livro, pois é uma excelente referência para professores que se preocupam com o ensino de línguas voltado para as demandas da sociedade contemporânea permeada pelo digital.

No dia 27/06/22, minitrei um minicurso no L@bLínguas – GLE/UFF sobre Letramentos Digitais no Ensino de Línguas em que abordo algumas dessas questões. Caso tenha interesse, a apresentação pode ser acessada aqui e o vídeo do minicurso está em breve no canal do projeto.

Nota: Parte deste artigo foi retirada da minha tese de doutorado. Para ler o trabalho completo acesse aqui.

Referências:

DUDENEY, G.; HOCKLY, N.; PEGRUM, M. Letramentos Digitais. Trad. Marcos Marciolino. São Paulo: Parábola Editorial, 2016.

FREITAS, M. T. Letramento digital e formação de professores. Educação em revista, Belo Horizonte, v. 26, n. 3, Dec. 2010. Disponível em: Acesso em: 01 maio 2013.

KELLNER, D. New technologies/New literacies: reconstructing education for the new millennium. Teaching Education, v. 11, n. 3, 2000, p. 245-265. Disponível em: < http://ldt.stanford.edu/~ejbailey/05_MASTERS/MA%20Articles/kellner_newtech _newlit.pdf> Acesso em: 11 maio 2014.

KENSKI, V. M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas, São Paulo: Papirus, 2012.

KENSKI, V. M. Tecnologias e tempo docente. Campinas, São Paulo: Papirus, 2013.

LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. (Eds.) Digital literacies: concepts, policies and practices. New York: Peter Lang Publishing, 2008.

MARTIN, A. Digital literacy and the “digital society”. In: LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. (Eds.). Digital literacies: concepts, policies and practices. New
York: Peter Lang Publishing, 2008. p.152 -.176.

Letramentos Digitais

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