Educação na cibercultura

“We shape our tools and thereafter our tools shape us”.

(Marshall McLuham)

As tecnologias são produtos de uma sociedade e cultura e, tal como caracterizadas por McLuham (1964), recriam e remodelam aqueles que as criaram, provocando enormes impactos e transformações sociais e culturais (LÉVY, 2010). As tecnologias digitais, dessa forma, desempenham um papel primordial na educação contemporânea, fazendo emergir novos comportamentos e relações com o saber e demandando transformações nas práticas e ambientes de ensino-aprendizagem.

A cibercultura, entendida como “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (LÉVY, 2010, p. 17), faz emergir, dentre outras características, uma nova configuração do espaço-temporal, marcada pela ubiquidade e instantaneidade das tecnologias digitais, além de novas práticas comunicacionais e novas formas de relacionamento social (LEMOS, 2003).

Além disso, Lévy destaca a velocidade de transformação e a emergência da inteligência coletiva como principais características da cibercultura. Essas características transformam radicalmente os processos de construção do conhecimento. A rapidez com que acontecem as alterações tecnológicas nos deixa uma sensação de estranheza, uma vez que a velocidade de transformação nos impede de acompanhar todas as mudanças e novidades no mundo tecnológico, gerando certo desconforto na utilização de novas tecnologias, e fazendo com que nos encontremos em algum grau de “desapossamento”, e até mesmo de resistência, uma vez que

A aceleração é tão forte e tão generalizada que até mesmo os mais “ligados” encontram-se, em graus diversos, ultrapassados pela mudança, já que ninguém pode participar ativamente da criação das transformações do conjunto de especialidades técnicas, nem mesmo seguir essas transformações de perto (LÉVY, 2010, p. 28).


Esse estado de constante transformação caracteriza um dos principais desafios para a educação na era pós-moderna, na qual uma nova relação com o conhecimento é constituída, gerando a necessidade de aprendizagem ao longo da vida e desenvolvimento profissional contínuo. Por outro lado, a inteligência coletiva, caracterizada por Lévy (2010, p.27) como um dos “principais motores da cibercultura”, permite melhor apropriação das alterações técnicas e das mudanças na sociedade, ao possibilitar a comunicação e troca de informações entre indivíduos que, dispersos no ciberespaço, passam a compartilhar ideias, experiências, conteúdos, agindo coletivamente, de forma cooperativa e descentralizada, na construção e disseminação de conhecimento e na produção de capital cultural.

Embora a cibercultura seja uma caracterização da cultura contemporânea marcada pelas novas tecnologias, Kenski nos lembra que as tecnologias são “tão antigas quanto a espécie humana” (2012, p. 15) e estão sempre associadas ao conhecimento, e consequentemente, ao poder. Dessa forma, diferentes tecnologias desenvolvidas pelo homem ao longo de sua história, a fim de facilitar o trabalho e a comunicação, conduziram à sua própria evolução social.

Gabriel (2013) destaca como as diversas transformações pelas quais passou nossa sociedade, desde a descoberta do fogo, a invenção e adoção de tecnologias como a escrita, a prensa, a eletricidade, e, mais recentemente, a internet, causaram verdadeiras revoluções/evoluções em nossos comportamentos e vida em sociedade. Essas e outras tecnologias foram não somente alterando e moldando nossas ações, mas recriando nossa realidade e gerando novas práticas que seriam inconcebíveis antes do surgimento delas.

Ao pensar o impacto das tecnologias digitais para a educação, Lévy nos lembra que “qualquer reflexão sobre o futuro dos sistemas de educação e de formação na cibercultura deve ser fundada em uma análise prévia da mutação contemporânea da relação com o saber” (2010, p. 159). Nesse sentido, é essencial considerar a velocidade do surgimento e de renovação dos saberes e do savoir-faire, a nova natureza do trabalho e do conhecimento na sociedade pós-industrial, e a emergência de tecnologias intelectuais que favorecem novas formas de acesso à informação e novos estilos de raciocínio e conhecimento.

Na mesma linha, Bates e Sangrà (2011) constatam que mudanças nas tecnologias também impulsionam alterações na filosofia educacional. Os autores destacam quatro divisores na educação que interagem com a aplicação das TDIC aos processos de ensino-aprendizagem, ou seja, a perspectiva de construção social do conhecimento, a mudança de foco do conteúdo para o desenvolvimento de habilidades, a visão de ensino centrada no aluno e a natureza de constante mudança do conhecimento. Essas mudanças levam à necessidade de ressignificação e reconstrução dos processos educacionais, gerando a demanda por novas competências e letramentos, e, principalmente, por novos modelos de aprendizagem, que implicam, consequentemente, em novos papéis para professores e alunos.

Davidson e Goldberg (2009) ressaltam que o advento da internet e das tecnologias da Web 2.0, ao possibilitarem a comunicação com a comunidade global, fazem emergir um enorme potencial para aprendizagem interativa e compartilhada, impactando radicalmente os processos de aprendizagem. Além disso, essas tecnologias, ao permitirem maior poder de publicação, autoria e compartilhamento de informações aos usuários, acarretam o surgimento de novas formas e espaços de aprendizagem, não restringindo mais esse
processo a espaços formais tradicionais como a escola e a universidade.

Gabriel (2013) também destaca a importância da banda larga de internet para importantes transformações no campo educacional tais como a conexão e a participação na rede, que alteram o fluxo de informação e as relações de produção e consumo de conteúdo, eliminando o papel do professor como detentor do conhecimento e filtro das informações para os alunos. Na era digital, a informação está disponível a qualquer um que tenha acesso à rede, em qualquer hora ou lugar. Tecnologias como blogs, SRS e sites de compartilhamento de vídeo como You Tube provocam uma mudança no processo de aquisição de informação e construção de conhecimento, em direção à expansão da aprendizagem social, permitindo que pessoas aprendam umas com as outras no ciberespaço, criando redes e comunidades de aprendizagem on-line em processos informais de aprendizagem.

Na aprendizagem formal, estas transformações levam a uma ressignificação dos papéis de professores e alunos, em que o professor passa de detentor e transmissor de conhecimento a guia e provocador na busca por informações, e os alunos se tornam “pesquisadores”, buscando e refletindo sobre as informações encontradas (PRENSKY, 2005). Também os métodos de ensino precisam ser ressignificados no contexto das tecnologias digitais, principalmente as da Web 2.0, refletindo os principais conceitos da era digital
como inovação, pesquisa, mobilidade, autoria, compartilhamento e convergência. Nesse sentido, emergem novos modelos educacionais, com foco no usuário, ou seja, o aluno, e na aprendizagem mediada pelas TDIC.

Em termos da reestruturação do espaço da sala de aula, mudanças também se fazem necessárias, uma vez que este deixa de ser o principal local de aprendizagem. Dessa forma, a sala de aula invertida e a aprendizagem móvel ou ubíqua constituem importantes modelos na reconfiguração do espaço de aprendizagem, fazendo com que os alunos desempenhem parte das atividades de aprendizagem utilizando as tecnologias digitais em outros espaços que não a sala de aula, e esta passa então a ser um espaço privilegiado de solução de problemas e interação entre os alunos.

Davidson e Goldberg (2011), em pesquisa realizada sobre o futuro das instituições de aprendizagem na era digital, examinam o potencial de novos modelos de aprendizagem digital e modelos participatórios e sustentam que o futuro dessas instituições demanda uma profunda compreensão epistemológica das possibilidades que a internet oferece à humanidade enquanto modelo de instituição de aprendizagem.

Em relação ao ensino superior, Moran (2013) ressalta a necessidade de inovações pedagógicas tanto na educação presencial quanto a distância, propondo o ensino através de desafios, com o foco no estímulo à pesquisa, produção e comunicação de conteúdos. O autor também defende a integração de atividades dentro e fora da sala de aula com recursos digitais, como na sala de aula invertida, e a integração entre o ensino presencial e a distância, como o ensino híbrido.

Por fim, Kellner (2000) afirma que a revolução tecnológica nos força a repensar e reconstruir a educação, defendendo a utilização de pedagogias críticas que questionem e ressignifiquem todos os aspectos do processo educacional, do papel do professor às relações entre professor e alunos, a instrução em sala de aula, sistemas de avaliação, o valor e limitações de materiais de ensino como livros e multimídia, e os próprios objetivos da educação. No entanto, o autor destaca a necessidade de se manter o olhar crítico perante o grande entusiasmo e euforia em relação às TDIC na educação, refletindo sobre a natureza e efeitos dessas tecnologias e das pedagogias desenvolvidas em resposta aos seus desafios, afirmando que

Mas em vez de seguir tal lógica moderna de “um ou outro”, precisamos buscar a lógica do “este e aquele”, buscando o design e a crítica, a desconstrução e a reconstrução, como complementares e suplementares e não como escolhas antagônicas. Precisamos certamente desenvolver novas tecnologias, pedagogias, e currículos para o futuro, e devemos tentar desenvolver novas relações pedagógicas e sociais, mas também precisamos criticar o mau uso, o uso inapropriado, alegações infladas, exclusões e opressões envolvidas na introdução das novas tecnologias na educação (KELLNER, 2000, p. 258, tradução nossa).

A dimensão crítica à que Kellner se refere é condição fundamental para a integração pedagógica das TDIC na educação.

Referências:

  • BATES, A. W.; SANGRÀ, A. Managing technology in higher education: strategies for transforming teaching and learning. San Francisco: Jossey-Bass, 2011. 262 p.
  • DAVIDSON, C. N.; GOLDBERG, D. T. The future of learning institutions in a digital age. Cambridge: The MIT Press, 2009. 67 p.
  • GABRIEL, M. Educ@r: a (r)evolução digital na educação. São Paulo: Saraiva, 2013. 241 p.
  • KELLNER, D. New technologies/New literacies: reconstructing education for the new millennium. Teaching Education, v. 11, n. 3, 2000, p. 245-265. Disponível em: < http://ldt.stanford.edu/~ejbailey/05_MASTERS/MA%20Articles/kellner_newtech _newlit.pdf> Acesso em: 11 maio 2014.
  • KENSKI, V. M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas, SP: Papirus, 2012.
  • LEMOS, A. Cibercultura: Alguns pontos para compreender a nossa época. In: LEMOS, A.; CUNHA, P. (Orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003; pp. 11-23
  • LÉVY, P. Cibercultura. 3 ed. São Paulo: Ed. 34, 2010. 272 p.
  • MCLUHAN, Marshall. Understanding media: the extensions of man. New York: McGraw-Hill, 1964.
  • MORAN, J. Inovações pedagógicas na educação superior presencial e a distância. Disponível em: <http://www2.eca.usp.br/moran/wpcontent/uploads/2013/12/inovac%C3%B5es.pdf> Acesso em: 03 jan 2015.
  • PRENSKY, M. Teaching digital natives: partnering for real learning. Thousand Oaks: Corwin, 2005. 203 p.

Nota: Este artigo foi adaptado de uma seção de minha tese de doutorado. Se quiser ler o trabalho completo, acesse aqui.

Foto de Perfecto Capucine no Pexels

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